Ela nem pensava em conhecer alguém desta forma. Os chats eram um passa-tempo, uma forma de matar os tempos mortos do trabalho. Os seus nicks eram sempre diferentes, não pretendia ser reconhecida em caso algum. Não pretendia criar aquelas ‘amizades virtuais’ (“o que será isso??”), nem iniciar conversas sobre si ou sobre a outra pessoa. Ficava-se bem pelas banalidades, ou a falar de assuntos gerais (escultura e dança eram recorrentes).
Quando se deparou com Xavier (Lx29M), e leu o seu ‘Olá’, decidiu responder. Porque sim. (Teria de haver alguma razão especial???).
Foi agradável. “Um tipo simpático”, pensou. Sem aquelas pressões de querer saber coisas sobre a sua vida. As banalidades soaram-lhe tão banais, como ela gostava. “E inteligente, também”. Reparou no cuidado que ele tinha, na capacidade para ser coerente na forma de escrita.
O congestionamento da sala de chat impeliu-a à sugestão para falarem em privado. Ele aceitou. Sem ansiedades (aparentes). Foi boa a conversa, sem nada de especial (mesmo como ela gosta). Sugestão de se encontrarem noutro dia, naquela sala. “OK, porque não?”.
Um número de telefone. Ela adorou a iniciativa de Xavier. Sem impor nada, apenas digitou os algarismos. Porque não aceitá-lo, se foi assim tão simples, tão natural? Iria telefonar-lhe, um destes dias. E assim o fez.
“E porque não??”
Sara tinha o desejo secreto que algo acontecesse. Só não sabia o quê, ainda. As coisas amorosas tinham parado na sua vida. Não teve ainda grandes ilusões. E nem grandes desilusões. Talvez por isso lhe parecesse sempre que as relações amorosas eram coisas banais. Sim, banais. Era neste mundo que aprendera a viver. Ou melhor, ainda não aprendera, nem nunca aprenderia. Mas era por aí que circulava o seu rame-rame diário. Dava-se bem com a rotina.
Saíra de casa dos seus pais para estudar na capital, e com o tempo as visitas foram rareando. Custava-lhe cada vez mais ouvir as frases tradicionais “Então, filha, há novidades?”, que ocultavam “Já arranjaste um namorado a sério? Não estás a ficar mais nova!”. O amor dos pais é assim, tão cego que chega a cegá-los para a realidade. E ela que continuava a ver no amor apenas uma série de relações falhadas (duas apenas, mas as suficientes, porque não surgiram mais até agora).
Tinha a sua dose normal de apaixonados – as mulheres costumam tê-los, não é? Ainda que sejam aqueles que querem apenas levá-la para a cama, ou aqueles que pensam que “com esta é que eram capazes de atinar”. Ela dificilmente se iludia, vivia sem grandes sonhos ou esperanças. E talvez por isso tenha aprendido a apegar-se ao banal. Grandes emoções passavam ao lado. Arrebatamentos não. (Era uma forma de defesa que ela tinha arranjado, inconsciente talvez, mas o marasmo também pode ter as suas virtudes.). (E quem poderia censurá-la por isso?).
Sara sabia ter um espírito aventureiro, também. Mas estava adormecido, pouco temerário. O que poderia despertá-lo? Não o sabia, mas se algo surgisse quem sabe se ele acordaria de facto? Não pensava se seria importante estar mais ou menos aberta para essa situação, se aparecesse. Estava tão segura que não surgiria nada disso, e essa segurança transmitia-lhe uma certeza e uma garantia de estabilidade que não queria abandonar.
Claro que, como mulher bonita que é, ouve vezes sem conta “Mas como não tens ninguém?”. Aprendeu a sorrir apenas e a evitar a resposta, não lhe faz sentido a típica reacção do “ainda não encontrei ninguém que valesse a pena”. Ou talvez lhe fizesse tanto sentido que ela nem queria verbalizá-lo. (Como posso saber? Sou apenas narrador, impessoal, distante, observador, mas sem detector de sentimentos. E já alguém disse atrás que as verdades absolutas não existem – e tenho a certeza absoluta disto.).
Sara preparou-se para o encontro com Xavier. Vestiu a camisola branca que lhe tinha dito, mas teve o cuidado de escolher um casaco que a tapasse. Saiu. O metro parou na estação de destino. Estava em cima da hora combinada. Seria ele pontual? Colocou-se a uma distância confortável do local combinado. Teve dúvidas: seria ele já ali, à espera? Contava impressionar-se com o aspecto físico de Xavier – pela positiva ou pela negativa, tanto faz. Mas nada! Poderia sentir alguma emoção de finalmente o ver. Mas não, nada! Nem se apercebeu que não tinha disposição (ou capacidade, ou abertura, ou disponibilidade, ou coragem, ou vontade...) para se impressionar... com nada.
Espreitou-o por mais de 10 minutos.
“Não parece nada ansioso. Provavelmente, já fez isto dezenas de vezes...”
Achou que não seria ainda hoje que o iria conhecer. Não ouvia, não sentia nenhum sinal para o fazer.
“Falta o click!”
Sara para Sara: “Mas que click? Estás à espera que isso apareça assim, vindo do céu???”
Na dúvida, foi-se embora.