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Quinta-feira, 31 de Março de 2005
A dama de salmão
A primeira coisa de que me enamorei foi da forma que cruzou as pernas. Muito suavemente, como se temesse quebrá-las, como se fossem de gelo: levantou uma perna e passou-a sobre a outra: ficaram as duas em contacto, do joelho até ao pé. Nem queria acreditar: imediatamente me invadiu o cérebro um emaranhado de imagens de tias e primas, e fotos em sépia de uma avó nos anos vinte, de chapéu redondo e saia curta, com as pernas unidas da mesma forma que a minha companheira de compartimento que, depois de uns momentos, para descruzá-las alçou uma para a frente e, durante um segundo, toda a perna (da púbis ao pé) esteve completamente recta. Paralelas, inclinou-as para um lado, perfeitas e esplêndidas.

Umas pernas como aquelas podiam fazer a felicidade de quem pudesse partilhá-las (e partilhá-las queria dizer observá-las a todo o momento, acariciá-las sem descanso, nuas por debaixo da seda das meias...); podiam provocar guerras infinitas, nova Helena de Tróia com pernas de Marlene Dietrich, que olhava pela janela a interminável sequência de prados verdes e poucas casas, perante uma cortina de árvores metade ocres metade brancas.

Em Honefoss, o comboio esteve parado durante muito tempo. Fizeram-nos sair. Não entendi por que razão tínhamos de mudar de comboio, mas como ninguém protestou aceitei os motivos da companhia. Os vagões em que tínhamos vindo afastaram-se rapidamente e cinco minutos depois chegaram os novos. Todos se apressaram a subir e cada um sentou-se onde quis. Eu, que tinha perdido a esperança de continuar a contemplar o jogo de pernas da senhora, afastei-me até um dos últimos vagões. Encontrei um compartimento vazio e instalei-me. Tirei da mala o guia azul e afundei-me na leitura de cotas, povoações e possíveis restaurantes.

A tranquilidade acabou em breves instantes: alguém abriu a porta do compartimento e a partir daquele momento não houve mais que um abafado mas contínuo tumulto de bagagens e criaturas. Afundei o nariz no livro, tratando de abstrair-me em considerações sobre a qualidade do salmão nas ilhas costeiras, das quais me distraiu a sensação de estar a ser observado. Levantei a cabeça. À minha frente, uma criança pedia explicações sobre uma revista de banda desenhada a uma senhora que aparentava ser a sua mãe e não estar de bom humor. Passei os olhos, vagamente, em redor do compartimento: sentada ao meu lado estava a dama esplêndida, a do jogo de pernas. Surpreendi-me.

(O resto do compartimento estava vazio e tinha que se ter sentado precisamente ao meu lado!)

Observei-a de soslaio: olhava para a frente, aparentemente para a criança, que insistia que a sua mãe lhe explicasse os bonecos. Abri o guia azul. O arenque...

Em Sokna sairam a criança e a mãe e entrou um velho. Enquanto o comboio saía da estação, notei uma pressão na perna. Ela (a dama das pernas cor de salmão) roçava uma das suas extremidades contra uma das minhas! Não tardei muito a reagir: não só acedi à carícia como a incrementei. De soslaio, pareceu-me que sorria. O que devia eu fazer agora? Criei esperanças de que, na primeira povoação importante, o velho saísse e ficássemos a sós. Mas passaram muitas estações e o velho nem se movia. Tinha os olhos fechados e apoiava a cabeça no apoio do assento. Dormia tão descontraidamente, num silêncio branco, que me perguntei se não teria morrido. E se deixasse passar a estação em que queria sair? E se tinha de sair exactamente nessa em que estávamos parados e, adormecido, não se tinha apercebido? Quem sabe até fosse uma obra de caridade despertá-lo.

Estrangeiro sensato, preferi calar-me, sobretudo agora que o nosso compartimento tinha aumentado de população: uma jovem com uma mochila exagerada e uns olhos claríssimos. A minha perna e a da dama continuavam siamesas e, ao que parecia, nenhum dos dois possuía engenho suficiente para levar a bom porto os nossos desejos. Já há algum tempo que o comboio estava em andamento quando reuni coragem para perguntar-lhe se ia para muito longe. Ao princípio nem me olhou e, quando repeti a pergunta, virou a cara para mim (e agora, vendo-a tão perto, dava-me conta que era uma mulher belíssima): sorriu-me com lábios de sangue e respondeu-me em norueguês. (As minhas esperanças de que pertencesse à considerável parte da população que fala inglês como segunda língua cairam por terra.) Parei, embaraçado. Acrescentou algo mais e ficou à espera de uma resposta que eu não podia dar-lhe. A jovem lia uma revista de moda e parecia totalmente alheada do mundo que a rodeava. O velho, que antes me tinha parecido morto de tão adormecido, abriu os olhos e serviu de tradutor: a senhora pedia desculpa por não falar o meu idioma. Por um momento estive a ponto de dizer-lhe que o idioma a que se referia não era o meu, mas sim um emprestado. O velho ofereceu-se para continuar os seus serviços de tradução. Baralhei-me (imaginei-me, com um joelho no chão, a declarar o meu amor através de um tradutor), não soube o que dizer-lhe e anunciei ao velho que não, agradecendo educadamente. Logo em seguida fez-se um silêncio algo tenso. (As pernas, apesar de tudo, continuavam juntas.) O velho fechou novamente os olhos, mas por pouco tempo: chegados a Torpo, despediu-se e saiu do comboio.

Entre Torpo e Al, deixei cair lentamente a minha mão sobre a da mulher e, com as pontas dos dedos, acariciei-lhe o dorso. Pareceu-me que mexia as pálpebras. Girou a mão de tal maneira que, ao apertarem-se, ambas ficaram unidas como metades de uma noz. A rapariga em frente continuava passando as folhas da revista com imenso ruído e olhava de quando em vez pela janela. De repente fechou a revista e deixou-a sobre o assento do lado. Ao olhar-nos de passagem, deteve os olhos dois segundos nas nossas mãos e continuando, discreta, dirigiu o olhar para a mochila, esticou uma correia, submergiu-se novamente nos lagos da paisagem e bocejou. O anoitecer tardava em fazer-se noite.

Em Geilo tinha entrado um homem de meia idade, com uniforme verde e aspecto de guarda florestal. As minhas possibilidades reduziam-se. Tomei uma decisão: levantar-me com a mão da dama na minha e sair para o corredor, onde poderíamos pelo menos, se não falar, entendermo-nos com mais facilidade. Mas o risco estava no caso de ela não querer aceder ao jogo e me dissesse algo que eu não poderia entender (apesar de os outros ocupantes entenderem, e era isso que me angustiava). A favor da minha ofensiva jogava o factor de que, na realidade, a iniciativa tinha sido sua e que a única acção que eu tinha empreendido (a de tomar-lhe a mão) não tinha sido rechaçada nem pouco mais ou menos. Mas incomodava-me que não se desse conta da minha inferioridade de condições, estranho num país frio. Ao jogar no seu terreno, era ela quem tinha de decidir o que fazer. Ou quem sabe lhe bastasse o toque das mãos e o roçagar das pernas?

Levantei-me com a sua mão na minha. Durante um segundo, pensei que não se levantaria: olhou-me surpreendida e depois sorriu. Saiu à minha frente. Caminhámos pelo corredor até ao fundo do vagão. Na plataforma, começou a dizer palavras muito lentamente e, apesar de a ela lhe parecerem elementares, para mim era como se falasse em norueguês. (E agora vejo que esta é uma piada pouco engenhosa.) Era evidente que devíamos aclarar qual o terreno linguístico (e aqui renuncio à piada fácil) que nos seria propício. Soletrando, expus-lhe as minhas quatro possibilidades. Compreendeu-me, porque ela mencionou três, que eu também compreendi, para minha infelicidade (e suponho que também para a sua), uma vez que nenhuma das suas três coincidia com as minhas quatro. Como podia eu, então, dizer-lhe que estava louco pelas suas pernas; que desejava abraçá-la e acariciá-la antes que fugisse de mim em alguma estação imprevisível; que a sua iniciativa de roçar-se na minha perna tinha sido o gesto mais agradável que alguém me tinha feito desde há praticamente uma semana?

Beijámo-nos fortemente (e aquele era o primeiro beijo que dávamos: a abertura da sinfonia), num abraço que durou tanto como a ponte que atravessávamos e que acabou ao abrir-se a porta que comunicava com o corredor: a jovem do nosso compartimento dirigia-se para a casa-de-banho que, agora me dava conta, estava na plataforma onde nós os dois perdíamos tempo, beijando-nos como miúdos, sem chegar a feitos mais substanciais. E enquanto a jovem se fechava na casa-de-banho, pensei que bastava esperar que saísse para poder desfrutar daquele refúgio amoroso que nos era entregue de bandeja. Dez minutos depois a jovem ainda não tinha saído. Excitava-me pensar a que deliciosos actos se podia estar a entregar. Teria gostado de insinuá-lo à minha amiga desconhecida, que agora se dedicava a repetir palavras (talvez de amor, de sexo furioso?) em cada uma das línguas que dominava, para ver se eu as entendia; mas não havia nada a fazer: todas me soavam a gargarejos glaciares, a ecos de um fiorde. E para lá da janela, planícies nevadas.

Muitos minutos mais tarde passou o revisor e pediu os bilhetes. Com as pressas, tínhamos deixado as malas no compartimento e tivemos que ir buscá-las. O guarda florestal já lá não estava. O revisor cumpriu o seu dever e foi-se embora. Voltávamos a estar sós. Mas quando comecei a acariciar-lhe um joelho, entrou a jovem. Pensei, assim, que muito provavelmente a casa-de-banho já estaria vazia. Mostrei a intenção de me levantar, mas a dama disse alguma coisa e continuou sentada. Devo ter parecido bastante perplexo, porque a jovem viu-se obrigada a traduzir-me a frase:

Disse que saía na próxima estação.

Tirei-lhe a mala para o chão. O comboio parou com mais ruído que nunca. Despediu-se com um beijo na face e acrescentou umas quantas palavras:

– Disse
, traduziu a rapariga, que lamenta muito não o ter conhecido em circunstâncias mais propícias.

– Diga-lhe que eu digo o mesmo,
disse-lhe.

Traduziu. A dama dos meus sonhos sorriu e desapareceu pelo corredor. Sentei-me apenas por uns segundos, porque em seguida decidi que o mundo não foi feito para os cobardes: peguei na mochila e na mala e dirigi-me para a porta. A jovem, com cara de não ter entendido a minha decisão, olhou-me boquiaberta. No cais senti-me perdido: a mulher não estava, não havia ninguém. Entrei no edifício da estação: estava vazio. Saí por trás: havia uma praça com placas de néon e sem gente. A dez metros da porta da estação, a minha ex-vizinha de assento, a dama de pele cor de salmão, abraçava um homem, beijava um rapazito e entrava num volkswagen. Dei meia volta depressa e corri: só o que me faltava agora era perder o comboio! Subi justamente quando arrancava. Voltei ao meu compartimento. A jovem ficou surpreendida. Deixei a mala na consola e saquei o guia azul da mochila. A jovem colocou os pés sobre o assento, abraçou as pernas e, olhando para mim, riu-se com um riso que então entendi num sentido que depois acabou por não ser o correcto. Disse:

– Lamento ter frustrado o vosso flirt, mas tive de esconder-me na casa-de-banho porque não tenho bilhete.

E estava sentada, agora com as pernas perfeitamente cruzadas: paralelas, perfeitas e esplêndidas... De madrugada, denunciou-se acidentalmente: ao ir buscar o pacote de tabaco da sua mochila, caiu ao chão o bilhete de comboio. Fingi que olhava pela janela.


Conto retirado da versão castelhana do livro "...Olivetti, Moulinex, Chaffoteaux et Maury", editado em Barcelona em 1980 por Edicions dels Quaderns Crema. Tradução feita por mim mesmo.
publicado por ladoc às 04:01
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Quarta-feira, 30 de Março de 2005
Dura realidade
Um artigo que li no fim-de-semana dizia que o custo dos tratamentos a doentes com SIDA com retrovirais genéricos custa, na Índia, 216 dólares por pessoa aos Médicos Sem Fronteiras. Ao invés, na Guatemala, o Instituto Guatemalteco de Segurança Social paga pelo mesmo tratamento, proveniente de uma multinacional, 4818 dólares. Na Austrália, o valor ascende aos 8773 dólares.
Faz-nos pensar na "maravilha" e na "inevitabilidade" da globalização com base no neo-liberalismo...
publicado por ladoc às 15:27
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Sábado, 26 de Março de 2005
Uma sugestão literária
Quim Monzó, catalão.
http://www.monzo.info/

Fica prometida para breve uma tradução de um conto deste senhor.
publicado por ladoc às 22:46
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Terça-feira, 22 de Março de 2005
Porque é que nao me surpreende que seja alemao???
Cientista alemão descobre fórmula para relações felizes

Um cientista alemão calculou a fórmula para que as relações amorosas sejam duradouras e felizes, que consiste em anular cada crítica com cinco elogios.


Hans-Werner Bierhoff, da Universidade Bochum, alega que para um casal ser feliz é preciso que cada crítica seja seguida de cinco elogios. Segundo o cientista, se a fórmula for seguida à risca a relação amorosa será duradoura e feliz.

Bierhoff e o seu colega de trabalho Elke Rohmann conduziram testes em milhares de indivíduos e casais e usaram os resultados para escrever um livro, «What makes love strong» (o que faz o amor ser forte), com conselhos para que uma relação perdure.

O livro também aborda alguns problemas circunstanciais, entre os quais o desemprego, infidelidade, experiências stressantes – como doenças, depressões ou o nascimento dos filhos -, e formas de os ultrapassar.

in Diário Digital, 22-mar-2005
publicado por ladoc às 14:41
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Segunda-feira, 21 de Março de 2005
Notas e curiosidades
Pois é, cá volto eu ao meu blog.
Na noite de hoje, e vendo as notícias de Portugal unicamente através da net, devo dizer que:
- o Sócrates teve tomates para meter o Freitas do Amaral como ministro dos Negócios Estrangeiros! E ainda bem que teve!
- estou expectante para saber se o PSD vai ser um bom partido de oposiçao. Com as perspectivas que já tive aqui do país vizinho, compreendi que de facto só o consenso sobre coisas básicas pode funcionar
- o Sporting ganhou ao Porto (iupiiii!!!!), mas pela diferença pontual, tavez este seja o ano em que o Benfica ganha o campeonato. Com pena minha, nao só por ser sportinguista, mas porque nao merece. Ou será que ainda acenam lenços brancos ao treinador??? Além do mais fazia-lhes bem um jejum semellhante ao que já teve o Porto e o Sporting (com a diferença que o Porto ainda teve capacidade para chegar ao topo da Europa, e o Benfica já nao vai ter)

Anyway, só para falar um pouco da cidade onde estou, aqui vao algumas curiosidades:
- o álbum de Beck ainda nao saiu aqui. E eu que pensava que isto estava à frente em tudo.....
- nas farmácias, podem-se comprar pastilhas Trident
- vejo muitas pessoas com sapatos cambados.
publicado por ladoc às 23:27
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