Colocaste a chave na porta, mas paraste. Ouviste do lado de fora o silêncio que reinava na casa. Só então deste as quatro voltas na fechadura e entraste. A opção de estares sozinho foi tua. Recusaste dois convites para jantar e adiaste o telefonema que querias fazer para o dia seguinte. Esta noite era tua. Totalmente tua.
A visão da casa trouxe-te um sentimento de conforto que não esperavas – só há muito pouco tempo te sentias em casa, foi-te difícil a adaptação a viveres sozinho. Passaram-te pela mente ideias de limpar a casa, de arrumar isto e aquilo que estava por organizar há meses. “Mas não, hoje não! Hoje farei o que me apetecer, e isso, definitivamente, não!!!”. Abriste a cerveja (preta) e acendeste um cigarro. De janela aberta, e após um rápido cumprimento à planta que te servia de companhia desde há pouco tempo, passeaste o olhar nas águas calmas do rio. “Por muito que digam sobre o primeiro cigarro do dia, este é de facto o que me satisfaz mais”.
A sala inundava-se com um quente saxofone. Sentias aquele som como uma massagem de final de dia (era Morphine, pois claro...). “São incríveis os truques que criei para substituir coisas que tinha quando vivia com ela...”. Estás orgulhoso com tudo o que aprendeste. Ou melhor, tiveste que aprender. (“E daí, não vai dar ao mesmo??).
Parabéns! Finalmente, tentas que a tua felicidade dependa apenas de ti, e não a colocas nas mãos de outra pessoa. Sabes, o teu amigo tinha razão quando dizia que, apesar de seres uma excelente companhia para viver (graças à tua brilhante capacidade para tornar cada dia único), cobravas isso demasiado caro. Mas já começas a perceber que é bom seres uma boa companhia para ti próprio. Ainda eras (e és!) demasiado novo para pensares que é o fim do mundo não estares com alguém. Que raio de ideias!!! Até prezo a tua inteligência, mas por vezes és um parvo com o teu fatalismo!
A última passa no cigarro faz-te sorrir... nada a ver com o fumo, apenas te recordaste de ti próprio há poucos meses atrás. Estás sozinho esta tarde por opção; não faltaram convites para sair, ou para te encontrarem. E decerto que bastariam dois ou três telefonemas para falares com mais alguém. Mas não; escolheste a tua própria companhia. Outra época houve, em que também sabias ser possível arranjares facilmente companhia; mas bloqueavas-te, desistias por achares que essa não seria a companhia que querias. Ou seja, querias à força ter alguém que amasses, que te amasse, que fosse igual a ela, talvez... e nem te lembravas do quão infeliz te sentias nessas alturas, por teres tudo isso e exigires as coisas mais absurdas. Ainda não tens a certeza se demoraste ou não demasiado tempo a apreender o absurdo dessas exigências e pressões, mas (e mais uma vez parabéns!) aprendeste finalmente a lidar melhor com as faltas de certezas.
Decides pegar na guitarra. E acender outro cigarro.
Tocas em jeito de banda sonora, enquanto visualizas os últimos meses na tua vida. Foram duros, sim, mas fartaste-te de aprender coisas novas. Sabes já que o sorriso te faz bem (“e fica-te bem, pá, até que és um tipo engraçado!”), e que és tu que dominas se tens ou não um sorriso nos lábios.
Os teus dedos e a tua voz pedem-te para tocar aquela música, o Walk Away do Ben Harper... pois, essa é por vezes a verdade, por mais dura que possa parecer. Jantas rapidamente, e aproveitas para tentar ver alguma coisa na televisão, mas três notícias consecutivas de desgraças levam-te a ligar a aparelhagem. Escolhes Morcheeba para te fazer companhia.
Recordas agora alguns dos bons momentos que passaste nesta casa. O primeiro dia em que acordaste com o nascer do Sol; o amanhecer que presenciaste a ouvir os U2; um certo pôr-do-sol em que te ofereceste uma cerveja e uma canção.
Vês agora como perdeste a cabeça antes, tantas vezes. Sim, vejo que sofreste algo de forma muito dura, foi muito difícil o afastamento que te viste obrigado a fazer. E custou muito teres de alterar tanta coisa na tua vida ao te veres só, apenas com a tua dor por companhia (e felizmente, um belíssimo grupo de amigos).
Mas olha, valeu a pena! É passado, e não será isso que te vai condicionar a viver o presente (“Estás a ver como tu sabes?”). Hoje, aqui. Com a música a tocar-te o coração. Com as lágrimas guardadas (as que são para guardar). Com os sorrisos a oferecerem-se, a ti e a quem te rodeia.
Tocam à porta.
“Que estranho! E é cá em cima?!”.
Atendes.
Que surpresa!
É ela!
Não esperavas!!!
Mas é uma boa surpresa! (“É, não é?”)
Que engraçado: sentias tanta vontade de estar sozinho, e fizeste tudo por isso; mas agora mal consegues conter a felicidade de a teres contigo.
Não esperavas sentir agora tudo isso... e até parecias ter esquecido da beleza e do prazer dessa sensação.
Surpreendes-te a ti próprio com as boas vibrações que te invadem.
(Pois é, parabéns de novo! Afinal, ainda és capaz de amar!!)
Tantas emoções que passaram entretanto, tantas pessoas, tantas situações que não esperavas nunca viver... mas quando te toca a beleza do sentimento que agora te preenche, vês que tudo valeu a pena. Mesmo o sofrimento. Mesmo a dor. Mesmo o vazio. Mesmo a solidão. Mesmo a tristeza.
Valeu a pena, principalmente pelo sorriso que te enfeita a face e te inunda a alma. Que bom sorrir assim! E que bom vê-la sorrir assim! Não a esperavas hoje, ou aliás, não a esperavas. Ponto final.
Decidi colocar aqui os contos que escrevi em tempos, talvez como forma de auto-motivação para voltar a escrever algumas coisas. Aqui vai o primeiro.
PERDA! por Luís Romero 12/Out/2000
Mas que Perda!!! Ganha tempo ao não pensar em nada, empata a vida em normalidades... e que Perda! Esta poderia (e parece!) uma (mais uma!) dissertação sobre a vida, os ganhos e perdas (agora em minúscula). Ah! E já detectaram o vocábulo implícito em ‘Perda’? Pois é... mas, variemos!
A sala de Raquel era um modelo do seu estilo pessoal. Decoração simples, semi-desarrumada, cores quentes, sem grandes contrastes. Deitada no sofá, assistia ao mais recente sucesso de audiências. Em cada 3 minutos, fazia um rápido zapping de 4 fases (recusava a televisão por cabo, pois alargaria demasiado os períodos de zapping). A amorfia era-lhe reconfortante, cultivava-a como um melómano se rodeia de elementos musicais, como um heroinómano se anula totalmente – uma questão de culto. A antropomorfia de Raquel (ena! que palavrão!!!) referia-se explicitamente ao horror pelo género masculino. O convívio social com os homens (com letra minúscula, sim!!) trazia-lhe cada vez mais motivos de repúdio. “Não, não sou fufa!!!”, diz Raquel nesta altura (isto é, diria, pois não nos está a ouvir... ssshhhhhhh...). Reger a vida por relações eventualmente amorosas? “Bah!”. Viver na procura de sentimentos de e por seres desprezíveis? Duplo “Bah!” (portanto, “Bah! Bah!”). Raquel não pensa em absolutamente nada, por breves instantes. Regressa do torpor com um pensamento tão mundano como oco (não quer dizer o mesmo? Bem, neste caso sim.): “O que é que eu hei-de ir comer?”.
Ela é bela. Belíssima. Linda. O seu corpo ululante (gosto desta palavra, pronto!) trazia brilhos aos olhos masculinos (e femininos, por outros motivos), mas só na praia, onde se via ‘obrigada’ a mostrar mais do que desejaria. Opta claramente por se fazer pouco elegante. Só os mais atentos reparam na insinuação daquele andar – que ela não pretende nem procura, é devido à constituição física. Mal sabe ela (ou mal quer saber), quão povoadas se encontram as mentes masculinas de atributos físicos assim. Seios rijos, erectos, com mamilos um tudo-nada-muito-pouco desproporcionados, ancas que formatam a sua sombra de pêra, pernas de sonho (sempre ocultas por calças!)... (Sim, é verdade, já a espreitei no banho... Privilégios de narrador!!!). Os olhos são lindos, castanhos de Inverno, verdes pelo Verão. Grandes. A boca é um sonho, em forma, calor e textura. Nariz com personalidade (imaginem vocês o que quero dizer). Preza a sua independência, em especial por repugnância à companhia. Agrada-lhe o vazio. Não, amarga não é (aliás, eu diria dulcíssima!!). Não viveu desilusões grandes. A desilusão tem vindo a crescer desde os seus 13 anos. Por nada de especial. Apenas porque se sentia incomodada. Começou por afastar os personagens masculinos, e depois por arrastamento os femininos (estes últimos em dadas alturas parecem viver para os primeiros... e vice-versa... que confusão!!! que horror!!!). Se Raquel se sente só? Talvez, já nem ela sabe. Distanciou-se da família, também – precisava do seu próprio espaço.
Pretendem procurar uma razão, um motivo aparente para a sua aversão a homens? OK, podemos tentar. Abusos sexuais em menor??? Isso é desculpa de estrela da música ou do cinema. Não, cresceu numa família normal, normal, normal (com tudo o que isso implica). Grandes desilusões amorosas na adolescência? Nem pensa nisso mais, teve 2 ou 3 namoricos, mas que foram menores que o normalmente aceite e maiores do que ela gostaria (duraram alguns dias). Traumas sexuais?? Ora aí está uma componente muito apagada nela, por opção clara (OK, bate uma de quando em vez, era isto que queriam saber, seus pervertidos?? Isso é um momento dela, nem eu a espreito nessas alturas, por respeito!). Desencanto generalizado com os outros aspectos da vida, e também por arrastamento com este? Errado outra vez! Adora o emprego que tem, boas perspectivas profissionais, assume o cinema como hobby, sorri com as histórias de amor... enfim, gosta de quem é. E que tal se não tentarmos compreender?? Ou melhor, se perdermos a tentação de dissecar o passado, as motivações, os desejos implícitos? Abandonarmos a tendência analítica de procurar a verdadeira personalidade? Ela é assim, OK?, e mesmo assim, sou eu que digo que ela é assim, só estão a acreditar em mim porque querem (ou não estão, e nesse caso podem ler isto de pernas para o ar, pode ser que percebam melhor o que quero – ou não quero – dizer). Mas onde é que eu pretendia chegar com esta prosápia??? Ah, sim! Raquel tem uma aversão pelos homens em geral. E Raquel é lindíssima!!! Mas que Perda!!!
Pessoas ligadas ao mundo da música omitem o aniversário do David Bowie.
Mas não hesitam em falar incessantemente dum tal de Sam (Samuel Mira, de seu nome), que escreve mal e parece querer ser o novo expoente literário em Portugal. Cuidem-se, Carolina Salgado e Margarida Rebelo Pinto!
O mundo do desporto fica centrado num torneio no Dubai quando Francis Obikwelu ganha o troféu de Atleta Europeu do Ano.
Também no desporto, a derrota do F. C. Porto parece contentar imensas legiões de adeptos de outras equipas; acabando por fazer na prática exactamente o mesmo que tanto criticam nos outros.
O crescendo exponencial de informação através do mundo – não confundir com comunicação, pois quanto a essa, parece-me ter-se vindo a reduzir substancialmente – parece estar em festa com uma série de imagens duma execução. Não seria mais fácil contactarem alguns Estados dos EUA e obterem o exclusivo? Teriam aí material para uns quantos filmes e respectivas sequelas. E público pelos vistos não falta.
Finalmente, soube que numa votação feita por ouvintes da RFM, no âmbito de saber qual a melhor música de todos os tempos, o André Sardet apareceu em quarto lugar da lista. Sim, leram bem: a melhor música de todos os tempos.
Parabéns pelo 60.º aniversário, David Robert Jones (8/1/1947). As tuas músicas continuam a marcar a minha vida, e vão continuar. Ainda hoje soltei umas lágrimas tímidas a ouvir o Absolute Beginners e o Eight Line Poem. Obrigado por nos dares tanta e tão boa música!