Xavier e Sara não estavam felizes. Talvez por se não terem conhecido, ainda.
Este seria o primeiro encontro; já tinham falado ao telefone várias vezes, sempre e só sobre banalidades; começaram por “...mas trabalhas em que zona de Lisboa?” e foram até ao “...e como correu o teu dia?”.
Xavier, a caminho, sentia a falta da voz telefónica (versão digital) de Sara. Sorria ao pensar que não fazia ideia de como seria ela – também, é natural!, nunca passaram por aquela de “descreve-te fisicamente”.
Receava (e ao mesmo tempo ansiava) que ela não aparecesse. Xavier tinha-se preparado com a pompa devida para a circunstância: roupa casual, a normal no seu dia-a-dia, mas desta vez teve cuidados com as combinações das cores (não estava totalmente seguro, porém, da escolha dos ténis...); barbeou-se cuidadosamente de manhã; o perfume nos locais certos para a ocasião; cabelo penteado há uma hora, que lhe dava o ar informal que ele precisava para disfarçar a ansiedade. Espreitou o nariz no retrovisor e confirmou (e reconfirmou) a inexistência de muco seco.
Recordava-se do último telefonema tão bem como do primeiro; tinham sempre aquele tom curioso-receoso-ansioso-cauteloso. De início, a voz pareceu-lhe inexpressiva e vazia; mas depois, à medida que a conversa se foi tornando mais íntima (depois de “...mas trabalhas em que zona de Lisboa?” e antes de “...e como correu o teu dia?), sentia já saudades dela durante o dia.
“Ao telefone as coisas correm lindamente...”, disse Xavier a um amigo, mesmo antes de sair para o encontro, “...mas agora vamos ver como será na realidade”. “Estás com esperanças de alguma coisa?”, perguntou o amigo. “Esperanças? De quê?? Eu sei lá o que vai acontecer!... Depois telefono-te a contar como foi. Mas por favor não contes isto a ninguém. Mesmo ninguém!!”
Xavier começara por brincadeira. Até ao momento em que lhe fez a fatídica pergunta, tinha sempre considerado essas coisas como uma brincadeira. Mas quando viu a resposta dela, lembrou-se de imediato da sua adolescência. Aquele local tinha tantas histórias na memória de Xavier (algumas que já nem esperava recordar-se!) que, assim que o reconheceu, despoletou em si uma série de emoções.
Nesse instante, Xavier decidiu que com Sara – ou D-Girl, como a conhecia ainda – seria diferente.
Parece ridículo, dizer que tudo começou por aquela frase, “Dd tc?”, mas... bem, já se viram coisas mais estranhas.......
Trocaram as costumeiras perguntas, num tom que (principalmente!) em expressão escrita soou pouco temerário. Mas ao falarem de tudo e de nada, um pensamento assaltou Xavier: “E se falássemos em privado?”. Estremeceu nessa altura, quando viu no ecrã essas mesmas palavras, escritas por Sara sem erros ortográficos (“muito bem!!”).
Começou a sentir algo relacionado com o destino. “Que raio de ideia, é só uma coincidência!”
Conversaram por mais 15 minutos (estavam a essa distância da hora de saída de Sara), e ficaram promessas de mais encontros. Da mesma forma, ainda, claro.
Aconteceu – mas só mais uma vez. Xavier deu por si a escrever o seu telefone e a enviar. Sara, perplexa, agradeceu. E prometeu que havia de telefonar “um dia destes”.
Xavier para Xavier: “Burro, parvo, deitaste tudo a perder!” (“Mas afinal, tudo o quê???)
Estupefacto, 5 ou 6 dias após este acto, Xavier atende e ouve a voz de Sara.
Xavier para Xavier: “Nem acredito!!”
“blá, blá, blá” (ou “banal, banal, banal”), e a conversa correu optimamente.
Sara para Xavier: “Sim, sim, podes guardar o meu número. Estás à vontade.”
Noite seguinte. Xavier toma coragem e marca o número. Quatro toques. Ela atende. “Sara? Olá, daqui é o Xavier.” (“Lembras-te de mim??”)
E foi assim por 4 noites seguidas, por mais ou menos tempo, de 4 a 16 minutos. Finalmente, ele ganhou coragem: “Vamos beber café amanhã?”.
(continua)