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Sexta-feira, 3 de Novembro de 2006
Entrevista de La Contra – Mohamed Yunus
Retirei esta entrevista dum livro publicado com as melhores entrevistas que surgiram na rubrica "La Contra", que são contracapa do jornal "La Vanguardia" desde 1998. Coincide exactamente com a recente nomeação de Mohamed Yunus para o Nobel da Paz deste ano. A entrevista data de Julho de 2000.

Mohamed Yunus, inventor do modelo de microcrédito para combater o subdesenvolvimento



“A burocracia é o inimigo dos pobres”

Em Yunus, é possível palpar-se a bondade. Yunus é uma pessoa boa porque é inteligente. Economista reputado, poderia hoje estar a gozar da sua pensão de reforma como professor num campus de relvado imaculado ou poderia usufruir dum qualquer cargo no seu país. Hoje não seria candidato a Nobel da Paz, mas isso é para ele menos importante – e nota-se bem – do que continuar a trabalhar com o povo. É feliz e transmite-o com boas vibrações, sorrisos e uma fé escandalosa nas pessoas. Yunus, nascido num país de “santos”, desconfia de estados, burocracias, religiões e castas. Confirma no terreno aquilo que sempre tínhamos suspeitado: todas essas reuniões de estadistas e bancos mundiais e fundos monetários são de uma inoperância espantosa e culposa. Conta em detalhe como os gestos afectados dos nossos “patrões” não servem mais que as suas vaidades e aos bolsos sujos dos quatro ricos de cada país pobre. A grande mudança está nas coisas muito pequenas, e Yunus mudou a miséria de milhares de compatriotas porque acredita nas coisas pequenas e nas pessoas anónimas e compreende-as. Por isso, fechou dois milhões e meio de contratos sem papéis, advogados ou polícias, mas com um sorriso e um aperto de mão. Depois de uns momentos de conversa com ele, sentes-te um pouco menos miserável.

Lluís Amiguet


Tenho sessenta anos. Nasci em Chitagoon, Bangladesh: 130 milhões de habitantes. A população, se puder desenvolver a sua criatividade, não é o problema, é a solução. Fundei o Grameen Bank, que concedeu já 2,5 milhões de microcréditos aos pobres. Colabora com a Fundação “la Caixa” (Espanha) potenciando o microcrédito no Terceiro Mundo.

– Você é o único banqueiro sorridente de que me lembro…
– É que tenho muitos benefícios! (Nota: comentário não traduzível, pois refere-se não só a juros – beneficios em espanhol – mas também a benefícios de outro género)

– Duvido: você só empresta dinheiro aos pobres.
– (risos) Por isso sorrio! Dois milhões e quatrocentas famílias do Bangladesh pagam-me com o seu dinheiro, mas também com sorrisos: saíram da miséria com o seu esforço e um microempréstimo do nosso Grameen Bank.

– Mas pagam a dívida?
– Até ao último cêntimo. Somente nos falha dois por cento. E quero dizer que o Grameen Bank é um negócio. Nada de caridade! Nem de subsídios do Estado! Esse dinheiro é nosso e emprestamo-lo aos pobres porque é rentável e são bons clientes.

– A banca sempre defendeu o contrário.
– Por mediocridade. Tratar os pobres como incapazes não é apenas imoral, é sobretudo uma estupidez financeira.

– Muito comum.
– Porque se culpabiliza o pobre da sua pobreza.

– “Se são pobres, será por algo…”
– Exacto: “não te fies neles, estão desocupados”, mas nós temos vindo a demonstrar dois milhões e meio de vezes que eram pobres apenas porque sofriam uma estrutura que os fazia pobres. Se se lhes dá a oportunidade, aproveitam-na.

– Como descobriu isso?
– Lidando com eles. Eu sou filho dum joalheiro duma família de classe média-baixa de Chitagoon. Consegui uma bolsa e fui para a Vanderbilt University estudar Economia.

– Porque não ficou nessa elegante universidade americana?
– Fui professos ali até à terrível guerra da independência do meu país em 1970, em que lutámos com os paquistaneses. Houve dois milhões de mortos. E eu a falar de macroeconomia no Tennessee!

– A guerra não era por sua culpa.
– Voltei para ajudar o meu povo e acabei a leccionar economia em Bangladesh, enquanto milhões de compatriotas agonizavam literalmente de inanição nas ruas. E eu via-os todos os dias, quando saía das aulas! Ver um ser humano a morrer de fome é algo que nunca mais se esquece.

– O que fez?
– Desesperei. Para que serviam todas aquelas teorias elegantes que eu ensinava a estudantes bem alimentados? Um dia fui a uma povoação perto da universidade e comecei a perguntar. Todos trabalhavam como loucos para devolver créditos contraídos a usurários com taxas de juro que eram autênticas extorsões. Quis fazer uma experiência microeconómica.

– Dar-lhes dinheiro?
– Isso é um erro. Escolhi 45 pessoas e emprestei-lhes do meu bolso 45 microcréditos.

– De que valor?
– Tal como faço agora: de cinco dólares, dez, trinta, até trezentos.

– Cinco euros de empréstimo?
– Sim. Parecem quantidades ridículas, mas com o preço dum jantar aqui você muda a vida de uma família de lá.

– Parece difícil.
– É fácil: com menos de 10 euros compram uma vaca, com a vaca devolvem o crédito e a três anos podem comprar outra e viver da venda do leite. Todos os nossos micronegócios são assim.

– E criam empresários?
– Empresárias. Uma das chaves do nosso sucesso é que concedemos crédito a mulheres.

– Porquê?
– São mais fiáveis, optimizam o investimento e planificam. Agora estamos a convertê-las em empresárias telefonistas, uma em cada povoação. Damos-lhes crédito para comprar um telemóvel. Como a empresa telefónica estatal é inoperante e corrupta, o nosso negócio avança.

– O seu feminismo não deve agradar aos mullahs.
– O integrismo religioso é o nosso pior inimigo e temos sofrido atentados, mas vencê-los-á o nosso senso comum.

– O Estado ajuda o seu banco?
– Não creio no Estado: estou convencido de que no futuro os cidadãos poderão reduzi-lo ao mínimo e funcionar sem ele. O inimigo dos pobres é a burocracia e o establishment.

– Mas o Governo não os ajuda?
– Ficaria conformado com que não nos boicotassem. De momento, a administração está na dúvida entre a ignorância e o desprezo para connosco.

– Porquê?
– Os burocratas preferem os créditos gigantescos de ajuda ao desenvolvimento do FMI, do Banco Mundial, dos países ricos. Com eles, conseguem as viagens, as comissões, as corrupções… Só uma ínfima parte desses grandes empréstimos que tanto se alardeiam chegam a melhorar as condições de vida dos cidadãos.

– Não gostaria de mandar?
– Ninguém é generoso apenas porque sim. Eu não o era. Tornei-me generoso com o tempo por egoísmo, quando vi como me sentia bem com os sorrisos de agradecimento.

– Qual foi o microcrédito mais importante que já concedeu?
– Consegui que uma mendiga aceitasse, porque se recusava ao início, apenas meio dólar. Obriguei-a a aceitar um dólar e meio e comprou quinquilharia para vender pelas casas.

– Não se fez rica assim.
– Encontrei-a meses depois e perguntei-lhe pelo negócio. Não me falou de dinheiro. Explicou-me que tocou à porta duma das casas onde costumava mendigar. Disseram-lhe para voltar noutro dia. Ela insistiu; tinha coisas para vender. Abriram-lhe a porta. “Sr. Yunus – disse-me – mostrei-lhes as minhas peças de pouco valor e pela primeira vez na minha vida convidaram-me a sentar numa casa”.
publicado por ladoc às 13:34
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